COLABORAÇÃO de Chris Delboni
Alexandra Vieira cresceu em Carangola, interior de Minas Gerais, com cerca de 35 mil habitantes. Família de fazendeiros, tinha também uma concessionaria de motos, da Honda, que levava o nome de seu pai, Sr. Ademir. “Cresci como a filha do Ademir Motos”, brinca. “Não tinha nome”.
Mas isso mudou cedo na sua vida e nunca afetou seu senso de autodeterminação. Pelo contrário. De Carangola, ela começou rapidamente a galgar seu próprio nome, primeiro no Rio de Janeiro, onde completou o colegial e faculdade de jornalismo, e desde 2002 nos EUA, onde vem abrindo espaço para uma contagem mais apurada de brasileiros no censo americano.
“Eu entendo que ter esses números completos para gente é poder; é dinheiro. É o que toda comunidade quer”, diz. “A comunidade brasileira nunca foi parte do meu trabalho, mas sempre tive esse cuidado extra, porque é minha comunidade”.
Assim quando teve a oportunidade de supervisionar a região de Massachusetts e Porto Rico para o estudo do “American Community Survey”, uma pesquisa mais extensa e frequente das comunidades no país, não hesitou. Era sua chance de participar pessoalmente também da contagem de brasileiros naquela área.
Tinha cerca de 200 pessoas na sua equipe. Todos sabiam de seu interesse especial por brasileiros, e quando batiam na casa que oferecia cafezinho e pão de queijo, avisavam a chefe.
Com apenas 36 anos, Alexandra vem construindo desde 2008 uma brilhante carreira no Departamento de Comércio norte-americano, que comanda o Censo dos Estados Unidos, realizado a cada 10 anos por determinação da Constituição.
“American Community Survey”
Mas além dessa contagem, o maior centro de estatísticas do país desenvolve muitos outros estudos demográficos, um dos mais abrangentes e relevantes sendo o “American Community Survey”, ou ACS como é conhecido. Esses resultados são responsáveis pela determinação de assentos no congresso, formação de colegiados eleitorais e programas de assistência governamental. E é essa pesquisa que sempre atraiu os olhos da brasileira, jornalista-pesquisadora, mas acima de tudo, uma curiosa, diz ela.
“Não existe jornalismo sem pesquisa, e uma vez jornalista, sempre jornalista. Se alguém perguntar qual minha profissão, sou jornalista, mas o jornalista é um pesquisador”, diz, com orgulho. “E a gente é curioso.”
Alexandra muito jovem começou a fazer seu próprio – e forte – nome no ramo jornalístico, e expandir seus horizontes para o mundo. Ela conseguiu uma bolsa para estudar comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
“Sempre fui muito boa aluna, consegui uma bolsa na PUC, que era uma faculdade caríssima, mas era a faculdade que todo mundo falava, ‘você quer ter um emprego bom no RJ tem que fazer a PUC’. Os grandes editores de televisão, de jornal, tinham saído da PUC”, diz. “Mas por mais que meus pais tivessem uma situação boa no interior de Minas Gerais, isso no Rio de Janeiro não era a mesma coisa. Falei, ‘vou me virar’”.
Assim, seu objetivo logo que chegou na faculdade era conseguir um estágio. E com a determinação de sempre, atingiu sua meta.
Seu sonho era jornalismo político, mas acabou seguindo o esportivo no início de carreira, e foi o que a levou ao destino Boston.
“Fiz um caderninho, mandei por fax meu recém currículo e comecei a ligar para todo jornal, rádio e televisão que tinha no catálogo. Todo mundo dizia, não estamos precisando de estagiário, tem o processo seletivo tal. Não tinha a mínima intenção de ser jornalista esportiva, mas aí esse jornal esportivo, o maior no país na época, me ligou e disse, ‘nossa estagiária saiu hoje, a gente está precisando”, conta. “Falei, ‘estou indo’. Se entrar servindo cafezinho, estou lá. Só quero entrar.”
Alexandra conquistou seu espaço com rapidez dentro do Jornal dos Sports, e se tornou a repórter olímpica do veículo. Só que para cobrir as olimpíadas da Grécia em 2004 precisaria falar inglês fluente. Trancou a matrícula, faltando seis meses para se formar, pediu ao editor que segurasse sua vaga e se candidatou a um programa de “Au Pair”, onde trabalharia como babá na casa da família escolhida, em Boston, Massachusetts.
Ela chegou nos Estados Unidos com 21 anos. Além de trabalhar na casa da família, um casal jovem com uma filhinha de 1 ano, o programa permitia também que estudasse, o que era seu principal objetivo, e poderia fazer algum outro bico nas horas vagas. Seu salário fixo na casa era US$134 por semana.
Assim, para completar sua pequena renda mensal, bateu na porta do jornal comunitário brasileiro “Brazilian Times”, fundado em 1988. “Me contrataram como repórter e depois assistente do editor”, diz. “Todo dinheirinho que ganhava eu gastava em cursos.”
O intercâmbio seria por um ano – mas tudo mudou. Conheceu uma pessoa que tocou seu coração. Retornou ao Brasil para acabar a faculdade, mas nunca voltou para o Jornal dos Sports ou foi cobrir as olimpíadas. Casou-se com um americano, e hoje tem dois filhos, de 4 e 9 anos de idade.
Mas nem tudo mudou. Continuou gastando muito do seu salário nos estudos, e seguindo sua paixão por política pública, fez mestrado na área.
Sempre curiosa, queria entender melhor as razões pelas quais brasileiros imigravam para os Estados Unidos e porque as estatísticas do censo americano e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil não batiam.
Assim, quando conclui seu mestrado em relações internacionais na University of Massachusetts Boston, e de tanto procurar representantes e pesquisadores do “Censo Bureau” atrás de respostas, surgiu uma oportunidade de trabalho.
A discrepância dos números de brasileiros nos EUA ainda existe. Mas hoje Alexandra viaja o país todo fazendo palestras sobre vários dados demográficos, muitas a pedido de diplomatas brasileiros. Foi numa dessas visitas à Flórida que ela concedeu uma entrevista exclusiva para Direto de Miami.
Brasileiros nos EUA
Segundo o censo norte-americano de 2010, 34,878 brasileiros residiam na Flórida. Já a pesquisa “American Community Survey” de 2015, da mesma instituição, diz que 73,656 nacionais (com margem de erro de 8.000) moram no estado, de um total de 471,354 brasileiros nos EUA, ou seja, 22% da população brasileira no país.
Já o Consulado-Geral do Brasil em Miami estima que 300 mil brasileiros residem na Flórida. Mas admite: “Esse número baseia-se na quantidade de serviços consulares e em contatos com governos locais e lideranças comunitárias. Tal metodologia possui limitações.”
“É uma opinião, o que a gente acredita”, diz Alexandra, em relação a falta de metodologia de alguns desses números divulgados. “Entrevistei muitos brasileiros, e me lembro de apenas três casas que a gente não conseguiu resposta. A metodologia [do Census Bureau] é cientifica e nacional. É a melhor e maior pesquisa feita nos EUA.”
*Depois de 12 anos como correspondente da grande mídia brasileira em Washington D.C., Chris Delboni se mudou para Flórida em 2005. Lecionou na faculdade de jornalismo da Universidade de Miami, e em 2009, foi convidada pela Florida International University para dirigir um novo programa para os alunos de jornalismo. No final de 2013, Direto de Miami se tornou a primeira coluna digital do estadao.com.br. Atualmente, Direto de Miami é uma das principais fontes de informação de Miami para brasileiros no mundo, com o conteúdo da coluna distribuído internacionalmente.
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