Se você não está acompanhando os últimos acontecimentos da terrinha, deveria. O assunto mais comentado no momento, depois do final da versão brasileira do reality show Big Brother, é a divulgação da lista dos envolvidos na megadelação premiada dos executivos da Odebrecht. O bafafá anunciado caiu como uma bomba na véspera do feriado de Páscoa e segue encabeçando o noticiário, um desdobramento novo a cada dia. A final do Big Brother também, mas já voltamos a ela.
Muitos se perguntam o que isso tem demais, afinal, vai acabar em pizza e confete, não é mesmo? Pois é, vai mas a importância desse fato vai além do que a nossa percepção sugere. Pra começo de conversa, a lista dos envolvidos inclui praticamente quase todo mundo. Ficar fora da lista significa falta de prestígio. São 415 políticos de 26 partidos, incluindo 5 ex-presidentes, nove ministros em exercício, um terço do congresso, governadores e até defuntos (Leonel Brizola, Roberto Campos e outros). Por alguma razão insólita, o atual presidente não está na lista mas a qualquer momento entra na repescagem. Sim, as vacas sagradas entraram nessa leva, fora o arroz de festa Lula & Dilma, também entraram FHC e Aécinho, o que torna tudo muito inédito.
Chegamos ao ponto de epifania de assumir que quem está na berlinda não é somente a classe política, acusada de corrupção, mas a nossa sociedade como um todo pois, afinal, eles nos representam. O caixa dois, que até agora era visto como uma normalidade do cotidiano, pelos envolvidos, reflete os desvios de conduta ética do nosso próprio caráter numa miríade de atos que praticamos no nosso dia a dia, tidos como normais. Criamos até um eufemismo simpático para isso: “Jeitinho brasileiro”. Na tentativa de minimizar as acusações, o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, ciente de que seu nome pode pipocar numa lista a qualquer momento, chegou ao ponto de declarar que juridicamente pode haver caixa dois sem corrupção, quase sugerindo a idéia de atenuar a contravenção em níveis mais brandos como doloso, passional, involuntário, em legítima defesa. Na sua visão autocrática, crime e castigo só se aplicam ao pobre e desprotegido.
O maior reflexo de que mau-caratismo agora é a norma no Brasil foi a final do Big Brother brasileiro, com a vitória de Emily, fútil, vaidosa, egoísta, ardilosa, fofoqueira e manipuladora. Do outro lado tínhamos Vívian, uma concorrente virtuosa, inteligente, formada, bonita e, principalmente, honesta. O triunfo da bruxa não chegou nem a surpreender, tamanha era a torcida por ela. Pra se ter uma idéia do grau de alienação, as votações para se tirar alguém da casa são PAGAS e só numa noite houveram 120 milhões de votos para eliminar um concorrente que chegou a comentar, imediatamente ao sair, que se sentia honrado por ter recebido mais votos do que Dilma ou Aécio nas últimas eleições.
É hora de colocar a mão na ferida e reconhecer que o erro está em nós. Gostamos de nos julgar inteligentes, esclarecidos, avançados, modernos, honestos e até charmosos quando na verdade somos mesquinhos, invejosos, trapaceiros, covardes e traíras. Não adianta nos distanciarmos para tecer julgamentos porque isso é insistir no erro. Somos adeptos de furar fila, fingir de morto, sair pela tangente, colar na prova, molhar a mão do guarda, fazer vista grossa, empurrar com a barriga, assumir conhecimento de causa, dar informação errada, dar cobertura pra coisa errada, engrandecer a si mesmo, falsificar currículo, ficar na aba, filar bóia, trocar etiqueta na loja, roer a corda, ganhar no grito e virar casaca, só pra citar algumas das coisas que você pratica ou já praticou pelo menos uma vez na vida.
Não adianta fugir para os Estados Unidos, conquistar cidadania e virar republicano que isso não vai torna-lo um sujeito do bem de uma hora pra outra e nem diminuir sua responsabilidade pelo atual estágio da situação no Brasil. Encare, reflita, faça autocrítica e aceite sua culpa. Pense nisso toda vez que parar num ajuntamento de brasileiros, encher o peito e entoar aquela musiquinha piegas: “Sou brasiiiileiiiiiiro, com muiito orguuuuuuuuulhooo…”