Se já era espantoso o fato de uma única pessoa votar em Donald Trump, imagine o choque de ver quase 60 milhões votarem e o escolherem como líder.
O mundo amanheceu perplexo hoje. A maioria da população do país mais poderoso do planeta elegeu para presidente alguém que não apresentou nenhuma credencial concreta para o cargo, além de ser milionário e um astro de TV. Como empresário, Trump já nasceu rico, faliu várias vezes, não pagou impostos e deve dinheiro. Como homem, fez declarações ofensivas a mulheres, minorias raciais e sociais, soldados, pessoas com deficiências, religiões e países. Como candidato, prometeu apenas destruir tudo que foi feito pelo governo que ele vai suceder, construir um muro na fronteira e expulsar mais de dez milhões de pessoas do país. Prometeu fazer a “América grande novamente”, quando Ela nunca foi tão grande. Ainda assim, mesmo com todo esse currículo desabonador, o elegeram. Eleito, é uma incógnita nada promissora como presidente.
Foi a vitória da desinformação sobre a informação, da destruição sobre a construção. Trump tem uma qualidade, deve-se reconhecer: é um excelente comunicador e soube usar esse talento nos novos canais de informação das mídias sociais. O que circula nesse viscoso ambiente não requer compromisso algum com os fatos ou com a verdade, e um meme mentiroso, vídeo ou lenda que viraliza muitas vezes acaba tendo muito mais efeito que o seu desmentido ou com a realidade. Farsas de todo tipo foram espalhadas pela Internet e alcançaram gente receptiva e ansiosa para reverberá-las. A construção da imagem negativa de Hillary Clinton ergueu-se graças a esse novo meio nebuloso, e foi tão eficaz que Trump conseguiu fazer com que seu eleitorado pedisse até mesmo a prisão da Democrata, como criminosa e assassina, mesmo quando todas as investigações sobre ela a inocentaram da única acusação verdadeira, entre todas que circularam – a de usar um computador particular como servidor de emails oficiais que vazaram.
Foi uma vitória onde os fatos foram derrotados pelas farsas. A falta de credenciais de Trump é evidente, suas declarações ofensivas estão documentadas e eternizadas, são fatos inegáveis. Em contrapartida, as acusações que demonizaram Clinton e que se espalharam pela Internet são facilmente contestáveis e sem qualquer espécie de comprovação, mas mesmo assim prevaleceram sobre os fatos. Verdades, como o histórico de mais de trinta anos de serviço público, a educação, o conhecimento, a experiência e o preparo para o cargo da candidata Democrata, de nada serviram diante das força das farsas nesse estranho mundo novo das mídias sociais.
Isso significa que essas quase 60 milhões de pessoas que elegeram Trump são más? É claro que não. Muitas delas são nossas amigas, nossos vizinhos, pessoas decentes que simplesmente acreditam com facilidade naquilo que lhes apresentam como verdade, principalmente quando isso é envolto numa promessa sedutora de recompensa ou prosperidade futura. Outras, entretanto, encontraram no discurso agressivo, divisivo e preconceituoso de Trump uma ressonância do seu próprio caráter, e exigirão da presidência Trump o cumprimento das suas expectativas sinistras. Esse é o grande perigo que nos espera no futuro.
A esperança é que Trump seja mais inteligente do que parece, e que a grandeza do cargo que ele vai ocupar intimide seu impulso destrutivo. Pode ser que todo o discurso de Trump tenha sido apenas uma estratégia de vitória política e que, como político, ele negue as promessas que fez, assim como negou suas próprias palavras várias vezes durante a campanha. Pode ser que todas as ameaças sinistras contra povos, países e religiões que ele fez tenham sido apenas uma forma de canalizar e conquistar o voto do eleitor que odeia determinados povos, países e religiões, e nada mais.
A esperança, enfim, é que Trump comprove na presidência o mentiroso que foi na campanha.