Jorge Nunes
Parece incrível para quem tem menos de trinta anos, mas houve um tempo em que não havia Internet no mundo. E nem smartphones com poderosas câmeras digitais e todas as maravilhas a que têm direito. Quem quisesse falar com alguém dependia do bom e velho e telefone de fio para a comunicação. Para quem estava mais distante, o jeito era escrever cartas, à mão ou datilografadas, que levavam dias – às vezes semanas – para cruzarem os oceanos na direção do destinatário.
A Internet ainda dava seus primeiros passos, ainda mal capaz de transmitir pequenos textos entre os computadores conectados, usando como ponte barulhentos modems acoplados ao telefone, que ficava inacessível durante a conexão com a rede, sempre precária.
Essa pré-história da comunicação digital foi fértil para o aparecimento de diversos gênios visionários, que perceberam intuitivamente a revolução que estava por vir. Nos Estados Unidos, Steve Jobs preparava a sua Apple para o admirável mundo novo digital do século seguinte; os meninos da Google já esboçavam os códigos do que se tornaria o maior depositário de informações da história; Jeff Beznos vislumbrava um novo tipo de comércio de lojas virtuais que o tornaria bilionário, e tantos outros pioneiros visualizavam uma gama de possibilidades que pareciam infinitas na garupa do aperfeiçoamento tecnológico da rede e da facilidade de seu uso.
Enquanto isso, no Brasil, um outro pioneiro visionário, Aleksandar Mandic, tentava convencer seus chefes da Siemens, onde ele trabalhava na época, sobre um projeto para montar uma comunidade eletrônica que permitiria compartilhar mensagens e arquivos entre computadores usando linhas telefônicas. “Mostrei o projeto da Mandic para eles e eles não toparam. As grandes empresas fogem do que é novo”, conta Mandic numa entrevista concedida à revista GoWhere Business no ano passado.
Graças à recusa da Siemens, Mandic resolveu encarar por conta própria o desafio e fundou em 1989 a BBS (Bulletin Board System) Mandic, rede que fez o maior sucesso em pouco tempo, conquistando milhares de assinantes em questão de meses. Com o avanço tecnológico e a popularização dos computadores pessoais, ficou claro que Mandic tinha acertado na mosca na aposta. Foi em frente e lançou o iG, um dos primeiros portais de acesso à Internet no Brasil. Anos depois, vendeu o iG num negócio milionário.
Longe de dormir sobre os dólares e as glórias do pioneirismo, Mandic continuou em busca de novos desafios. O projeto mais recente é o aplicativo Wifi Magic by Mandic (http://www.wifimagic.com), um app de celular para quem viaja e busca conexões de Internet gratuitas. Ele explica: “O Wifi Magic surgiu de uma necessidade minha.Viajo muito e sempre busquei o acesso a um leque diversificado de serviços, endereços, dicas, etc. Como não falo inglês, tinha que ser algo fácil de entender. Então criei o aplicativo para acessar wi-fis com senhas disponibilizadas antes por algum usuário, em qualquer lugar do mundo. No primeiro dia, o aplicativo teve dez downloads. Como estávamos em quatro pessoas, já fiquei animado em saber que seis caras já haviam baixado o aplicativo. No outro dia, mais quarenta usuários, depois mais cem, mil, três mil. Aí o negócio explodiu em dias, chegando à média de trinta mil downloads diários. Sem impulsionar novos clientes, tudo orgânico, ou seja, sem fazer nada, nenhum tipo de ação de marketing ou mídia”.
O resultado é que hoje há16 milhões de pessoas em todo mundo cadastradas no Wifi Magic, que hoje é o aplicativo brasileiro com mais usuários no planeta. Isso sem qualquer tipo de marketing para impulsionar o projeto. Qual o segredo? “A diferença é que penso numa coisa e começo a fazê-la. Melhor que sonhar é realizar os sonhos e isso aconteceu com a BBS, o iG, o Mandic e-mail e, agora, com o Wifi Magic. A paixão pelas coisas que faço tem a mesma intensidade de concretizá-las, a única diferença é o prazo. Agora tudo acontece muito mais depressa. Nos anos 1990, tínhamos mais tempo para criar e lançar algo. Hoje, tudo é mais rápido e com o mercado de tecnologia a coisa é ainda mais veloz. Se você se forma em medicina, direito, você tem uma base de conhecimento que não muda, você sempre será um médico ou advogado. Na tecnologia, o que você sabe hoje tem grande chance de amanhã não valer mais nada”, explica o empresário.
A explicação é simples, mas o trabalho é intenso. Ele se dedica inteiramente aos projetos que desenvolve e se um usuário ligar para o serviço de atendimento ao consumidor da Wifi Magic corre o risco de ser atendido pelo próprio Mandic. A empresa é enxuta e multinacional. “Somos três sócios e a equipe é flutuante, não quero mais empregado, não quero cafezinho e secretária. Aliás, esse modelo de empresa tende a acabar. As leis trabalhistas quebram muitas empresas. Minha equipe é flutuante, remota e está espalhada por aí, Nova York, Miami, São Paulo. Minha ideia é fazer uma coisa frugal, de empresa simples, moderna, acabar com lentidão, burocracia. Pode ligar no meu número de Miami que eu atendo daqui, do meu celular. É praticamente um disque Mandic 24 horas. Eu sou o responsável pela empresa e se eu não resolver o problema do meu cliente, quem irá?”
Como todos os projetos do empresário, o Wifi Magic é um sucesso. Mas e se fosse um fracasso? Em um mundo com tantas e velozes transformações é fácil se perder no labirinto de possibilidades e reviravoltas tecnológicas e surpresas comportamentais dos usuários da Internet. Mesmo grandes sucessos, como as redes de relacionamento MySpace e Orkut, por exemplo, foram surpreendidas por novas iniciativas e engolidas pela onda seguinte, como o Facebook. Mandic não se impressiona com a possibilidade. “Adoro ideias que são um fracasso e eu digo: que bom, agora só vamos esperar o concorrente tentar fazer e errar também. Na verdade, meu maior fracasso foi querer me aposentar. Saber se aposentar é uma coisa legal, mas não é fácil ficar sem fazer nada. Depois da venda do iG pensei: “Agora vou ficar PHD, ou seja, ‘por hora desempregado’, mas não consegui e acabei criando o Wifi Magic”.
Aos 62 anos e pai de três filhos, se no futuro Mandic resolver tornar-se um ‘PHD’ de vez não vai ser difícil preencher o seu tempo. Amante de vinhos e viagens, ele pode perfeitamente passar o resto da vida ao manche de seu jato Citation Mustang voando por aí. Ou então saborear diariamente alguns dos melhores vinhos do mundo na sua adega de quatro mil garrafas, entre Chateaux e Barolos, numa seleção de dar inveja a muito restaurante de primeira. Ou ainda visitando os inúmeros amigos que tem pelo mundo, incluindo gente como Carlos Alberto Sicupira, o bilionário sócio da Anheuser-Busch InBev e Bill Gates. Mas esse dia parece longe. “As coisas foram criadas e evoluíram. O Facebook, por exemplo, nada mais é do que a versão atual do Chat da BBS. Claro que eu não previa o cenário atual, essa globalização tecnológica, mas nada me assusta, até porque as coisas evoluem, mas elas não acabam. Olha o exemplo do Windows, até hoje é o líder mundial, está aí há mais de 30 anos e só anos mais tarde apareceu um concorrente, a Apple. E, mesmo assim, o Windows ainda é o líder.”
Sobre o futuro, Mandic é reticente. “Só faço uma coisa de cada vez. Não tenho horários mas estou sempre ligado. Às vezes envio um e-mail para o meu sócio às três da madrugada e às seis já estou ligando para cobrar uma resposta. Mas sei que a onda agora é o compartilhamento, estamos compartilhando tudo pela Internet. O próprio Wifi Magic começou como um aplicativo para senhas e hoje considero ele como uma rede social de senhas wifi. Pode ser que o futuro esteja por aí.”
Aleksandar Mandic, lendário pioneiro da Internet no Brasil, amante de viagens, aviões e vinhos, encerra o papo entregando o seu cartão da Wifi Magic para o repórter. Nele, em vez de diretor, presidente, CEO etc., está escrito apenas:
“Dono.”