Em um dos primeiros filmes da saga “Star Wars”, os vilões do Lado Escuro da Força dão uma demonstração de poder disparando da sua “Estrela da Morte” um raio que aniquila instantaneamente um planeta inteiro. Do outro lado da galáxia, Luke Skywalker, personagem principal da história e partidário do Lado Claro da Força, sente intuitivamente o grito repentino dos milhões de habitantes mortos no planeta destruído.
Não foi um grito de morte que boa parte das pessoas vivendo neste país gritaram nesta quinta-feira (23), mas foi certamente um imenso lamento de tristeza. Cerca de cinco milhões de pessoas em situação imigratória irregular nos Estados Unidos, pais e mães de cidadãos americanos e de residentes permanentes, viram instantaneamente ser destruído o sonho de sua legalização, graças a uma decisão da Suprema Corte, aguardada há meses, que saiu nesta quinta. Um simples golpe de caneta de quatro juízes, entre os oito que decidiram o seu destino, arruinou a esperança de milhões de pessoas trabalhadoras e honestas, cujo único crime foi desejar uma vida melhor para elas e suas famílias, justamente numa nação que preza pelo seu apreço à liberdade, e que foi construída sobre os ombros de outros imigrantes.
A Suprema Corte julgava o mérito das ordens executivas imigratórias assinadas pelo presidente Obama em novembro de 2014, que haviam sido embargadas através de uma ação impetrada por uma coligação de 26 estados, liderados pelo Texas e governados por Republicanos, demandando a sua suspensão, entre outras razões por considerarem as ordens uma extrapolação dos poderes constitucionais de Obama. As ordens garantiriam proteção contra a deportação para todos os imigrantes irregulares que fossem pais e mães de cidadãos americanos ou de residentes permanentes, e que preenchessem determinadas qualificações, entre elas pagar multas, impostos atrasados e passar por uma rigorosa verificação de antecedentes. Além da proteção contra a deportação, o plano do presidente previa a emissão de autorizações temporárias de trabalho para essas pessoas. Um cálculo simples revelou que cerca de 5 milhões seriam beneficiados com as medidas. Um número equivalente à população da Noruega.
Foi a terceira derrota consecutiva de Obama na questão. A primeira foi o embargo das medidas por um juiz do Texas, que acatou o pedido da coalizão de estados. A segunda foi a decisão de uma corte de New Orleans para a qual o governo apelou e perdeu. A terceira veio nesta quinta, quando a Suprema Corte não chegou a uma decisão sobre o assunto, com os votos dos juízes empatados em quatro a quatro, resultado que pelo regimento confirma a decisão desfavorável da instância inferior. A Suprema Corte encontra-se extraordinariamente reduzida a oito juízes desde a morte de Antonin Scalia, no início do ano. Desde então o Senado, dominado pelo Partido Republicano, recusa-se a avaliar Merrick Garland, o juiz indicado por Obama para o lugar de Scalia. Tivesse Garland na Suprema Corte, talvez a sorte dos imigrantes fosse diferente.
Não há como não culpar a intransigência dos políticos do Partido Republicano pelo fracasso de todas as tentativas para se consertar o falido sistema imigratório americano. Hoje, estima-se que cerca de 12 milhões de pessoas vivem em situação irregular no país, entre as quais pode haver centenas de milhares de criminosos e terroristas. Apesar dos argumentos lógicos favoráveis a uma regularização, desde os comprovados benefícios econômicos que ela traria até a identificação e cadastramento de toda essa multidão anônima no país, todas as tentativas institucionais para se resolver o problema esbarraram na intransigência Republicana. O partido foi até mesmo contra uma proposta de reforma imigratória patrocinada pelo presidente George W. Bush, ele próprio um Republicano, em 2007. O projeto de lei de Bush acabou derrubado pelo Congresso. Em 2013, o Senado conseguiu aprovar um outro projeto bipartidário de lei, mas que também foi recusado pela Câmara, de maioria Republicana. Por fim, as tentativas do presidente Obama de resolver parte do problema usando seus recursos de poder executivo foram impedidas por ações legais, todas julgadas por tribunais conservadores, e afinal extintas definitivamente com o resultado de quinta na Suprema Corte, pela caneta dos quatro juízes mais conservadores do tribunal.
O impasse na situação caótica do sistema imigratório americano vai continuar até a posse do novo presidente, em janeiro de 2017. Mas a solução desse impasse não significa necessariamente boas notícias para as milhões de pessoas trabalhadoras e honestas que configuram a grande maioria dos imigrantes irregulares no país, caso o eleito seja o candidato pelo Partido Republicano, Donald Trump. Embora sem explicar como vai conseguir recursos financeiros para tal, ele já prometeu prender e deportar todas as 12 milhões de pessoas vivendo irregularmente nos Estados Unidos assim que ocupar a Casa Branca. Por sua vez, a candidata Democrata, Hillary Clinton, prometeu uma reforma imigratória nos cem primeiros dias de seu governo, se for eleita presidente. Entretanto, caso o Congresso permaneça nas mãos dos Republicanos depois das eleições parlamentares de novembro os planos de Hillary vão esbarrar no mesmo obstáculo teimoso que se impôs no caminho de George W. Bush e Barack Obama – a intransigência Republicana.
Enquanto isso, o lado escuro da questão imigratória nos Estados Unidos continuará deixando milhões de pessoas presas nas sombras da ilegalidade.
Até quando?