Arte & Cultura Cinema/TV Histórico

Americanos também vão se identificar com ‘Que Horas Ela Volta?’, diz diretora

Filme de Anna Muylaert que encerra o Brazilian Film Festival de Miami estreia nos EUA sob o título “The Second Mother”

Regina Casé (d) interpreta Val, uma empregada doméstica de Recife que mora há mais de uma década em São Paulo, na casa dos patrões (Divulgação)

DA REDAÇÃO – A empregada doméstica Val tem tudo para entrar para a galeria de personagens icônicos do cinema brasileiro. Interpretada por Regina Casé e protagonista do filme Que Horas Ela Volta?, Val é um símbolo da redução da desigualdade social experimentada pelo Brasil nos últimos anos. No filme, ela se vê em uma situação constrangedora quando seus patrões, gente para a qual ela trabalha dia e noite, muitas vezes confinada em um quartinho minúsculo na área de serviço, ficam intrigados com a notícia de que sua filha vinda do Nordeste irá cursar uma universidade pública frequentada pela elite do país. O filme encerra o Brazilian Film Festival de Miami neste sábado (19).

Com esse conflito sendo seu tema principal, Que Horas Ela Volta? vem dando o que falar no Brasil e sendo muito elogiado até pela crítica internacional -tendo vencido prêmios de festivais importantes, como o Berlin International Film Festival e o Sundance Film Festival, maior premiação de cinema independente dos Estados Unidos.

 

 

O filme é a aposta do Brasil para um Oscar em 2016, e para falar sobre o longa, o AcheiUSA entrevistou a cineasta Anna Muylaert, diretora e autora do roteiro.

AcheiUSA – Muitos brasileiros de classe média já tiveram uma Val morando e trabalhando em suas casas. Você se inspirou em alguém para escrever o roteiro de Que Horas Ela Volta??
Anna Muylaert – Posso dizer que o filme tem várias inspirações, afinal é um roteiro que levei 19 anos para finalizar. Mas foi também baseado na história de uma empregada que tivemos na casa dos meus pais, a Dagmar. Ela trabalhou conosco por 30 anos e hoje vive aposentada, em um apartamento que meus pais deram para ela na Vila Madalena, em São Paulo. Ainda hoje minha família tem contato com ela.

AU – A Regina Casé sempre foi sua opção para viver a Val?
AM – Sim. Desde que assisti a Eu, Tu, Eles (filme de 2000, estrelado por Regina), eu sempre a quis no papel da Val. Ela é fabulosa como atriz, como cidadã ela se preocupa em fazer uma pesquisa de povo e fisicamente tem características que a tornam perfeita para o papel, por ter traços de negra, de branca e de índia.

AU – O filme será bem recebido nos EUA, onde essa situação de uma empregada doméstica vivendo na casa dos patrões praticamente não ocorre?
AM – Sabe que quando fui a Sundance (tradicional festival de cinema alternativo, realizado no Colorado) eu não tinha muita certeza disso. Mas o filme pode ser compreendido em camadas. A primeira é essa, de um filme sobre uma relação patrão e empregada. Mas em uma segunda camada, se trata de um filme sobre cidadãos de segunda classe. E isso existe, sim, nos Estados Unidos, na Europa. Quando você vai a um hotel nesses lugares e quem vai limpar seu quarto é um imigrante, nunca um americano, um europeu. Meu filme discute relações sociais, de poder, então acho que muitas pessoas podem se identificar, inclusive o público americano.

AU – Que Horas Ela Volta? foi escolhido pelo Brasil para disputar uma vaga no páreo do Oscar 2016. É mesmo tão importante para o cinema brasileiro vencer esse prêmio?
AM – Olha, não sei se é tão importante para o cinema quanto parece ser para a imprensa brasileira. Isso eu sempre me pergunto. Trata-se ainda de uma pré-seleção, para algo que vai acontecer lá na frente… Para mim, prêmios são apenas símbolos. Mas também seria um banho de auto-estima para o nosso cinema. Acho que seria positivo.

AU – O cinema latino-americano vem sendo cada vez mais elogiado pelo mundo, com filmes de roteiro inovador sendo sucesso de público e crítica. Já o cinema brasileiro investe mais em filmes de enredo televisivo, comédias, com mais retorno de público do que de crítica. A que você atribui isso?
AM – Bom, o Brasil é um país jovem, adolescente. No Brasil, se cisma com um negócio e tudo acaba sendo repetido até a exaustão – que nesse caso, dessa linguagem Rede Globo, acredito, já está chegando. O meu filme é diferente. Trata-se de um filme popular, que interessa tanto à patroa quanto à empregada. Isso ficou evidente com a reestreia do filme em um circuito maior de salas no Brasil, incluindo de cinemas nas regiões de periferia. Após o boca a boca de quem foi ver, temos sessões lotadas e praticamente dobramos de público de uma semana para a outra. O povo sabe gostar de coisa bem feita. E é isso o que meu filme é: algo popular, mas ao mesmo tempo bem feito.

AU – O Brasil passa por uma crise sem precedentes, em que se estuda cortar parte dos programas sociais federais que permitiram a situação retratada pelo filme, de uma filha de empregada estudando com o filho da patroa. Isso põe em risco as conquistas sociais dos últimos anos?
AM – A crise está acontecendo e é meio mundial. A classe média também está sofrendo com ela, até mais do que os mais pobres. Mas eu acho que nada disso vai ameaçar o grande processo de democratização social iniciado no país. É uma conquista irrevogável, que não anda para trás por causa de crise econômica. E tenho certeza que o que foi conquistado até agora não é o bastante. Ainda tem muito a acontecer nesse sentido.

O filme entra em cartaz no dia 25 de setembro nos seguintes cinemas do sul da Flórida:

Miami:
MDC’s Tower Theater
Miami Beach Cinematheque

Broward:
The Classic Gateway
Silverspot Coconut Creek
Cinema Paradiso Hollywood

Palm Beach:
Living Room Theaters
Movies of Delray
Movies of Lake Worth

Compartilhar Post:

Baixe nosso aplicativo