Cinema/TV Gabriela Egito

Hollywood em greve por melhores salários e regulamentação do uso das IAs

Artistas reivindicam melhores condições de trabalho e remuneração junto aos estúdios mais poderosos do mundo

Piquetes grevistas acontecem diariamente em frente aos grandes estúdios (Foto: Carlos Ribeiro/AzimuthPhotography.com)
Piquetes grevistas acontecem diariamente em frente aos grandes estúdios (Foto: Carlos Ribeiro/AzimuthPhotography.com)

O sindicato dos roteiristas de Hollywood (Writers Guild of America, WGA) está em greve desde o início de maio e o sindicato dos atores seguiu os mesmos passos este mês. As reinvindicações são similares: discutir um novo modelo de remuneração que contemple as mudanças estruturais recentes no setor e conter a ameaça das Inteligências Artificiais (IAs).

Para se ter uma ideia do ponto a que chegou o achatamento dos ganhos dos atores, o salário mínimo em Los Angeles é de $35,800 brutos por ano para quem trabalha 40 horas por semana, em qualquer setor. Atualmente, 87% dos 160 mil membros do Sindicato dos Atores (Screen Actors Guild, SAG-Aftra) não ganham nem $27 mil ao ano como atores profissionais. Ou seja, trabalhar no ramo virou praticamente um hobby – com exceção de uma minoria de famosos.

Revisão de parâmetros

Antigamente, as séries de TV tradicional tinham geralmente 22 episódios, o que dava uma média de 10 meses de trabalho contratado a cada ano. Agora, nas plataformas de streaming que tomaram conta do mercado – como Netflix, Hulu e Amazon Prime –, são somente de 8 a 10 episódios – ou seja, um corte em torno de 60% da duração do produto e de sua produção.

No modelo tradicional, atores e roteiristas recebiam pelo tempo de trabalho realizado por temporada e isso era ainda complementado pelos direitos conexos de imagem, os chamados “residuals”, uma espécie de comissão sobre as exibições em diversoscanais e países após ultrapassar a marca dos 80-100 episódios. Era um modelo que premiava as produções bem-sucedidas e que ficavam muitos anos no ar.

Com o surgimento das plataformas de streaming, além do corte brutal no número de episódios, os parâmetros para determinar esses direitos conexos foram alterados. Para atrair investidores e valorizar suas ações na Bolsa de Valores, as plataformas começaram a vender sucesso como sendo o número potencial de assinantes do serviço e passaram a ocultar os números reais de audiência de cada série.

Como resultado, uma outra forma de cálculo entrou em vigor, chamada de “cost-plus”. Trata-se de um percentual sobre o orçamento de produção da série, independente da sua audiência. Esse valor tem uma escala, começando bem reduzido na primeira temporada e aumentando se a série prosseguir. Críticos do modelo dizem que essse sistema nivela tudo por baixo (todos ganham pouco) e é um dos motivos pelos quais boa parte das séries é cancelada já na segunda ou no máximo na terceira temporada, quando seriam pagos os percentuais maiores.

Para corroborar com essa asserção de que, na prática, os direitos conexos estão em extinção, já que a TV linear perdeu muito espaço para o streaming, não faltam postagens de famosos nas redes sociais mostrando pagamentos de centavos. A atriz Mandy Moore contou recentemente que recebeu cheques de até 81 centavos por protagonizar a série “This is Us”. 

Portanto, as novas mídias (leia-se streamers) revolucionaram o mercado na última década, subverteram o modelo de negócios e os contratos dos artistas com os 350 estúdios, produtoras e plataformas (Alliance of Motion Picture and Television Producers, AMPTP) não refletem essas mudanças. “Não deveria ser surpresa pra ninguém que isso precisa ser renegociado”, diz a presidente do SAG-Aftra, a atriz Fran Drescher (“The Nanny”).

Executivos de estúdio, por outro lado, se recusam ao diálogo, afirmam que o setor está em crise, que ainda não se recuperaram plenamente da pandemia e que estas greves não poderiam vir em pior hora. “Há um nível de expectativa que não é realista”, criticou Bob Iger, o CEO da Disney. 

Os artistas rebatem, apontando que o que não é realista são executivos ganhando milhões de dólares por ano de salário, e os estúdios faturando bilhões, enquanto quem realiza o trabalho criativo mal tem dinheiro pra pagar suas contas mais básicas.

Ameaça das IAs

Somando-se a esse caldeirão de insatisfações, surgem as Inteligências Artificiais (IAs). Como de hábito, os estúdios desejam o mínimo de regulamentação coletiva possível para depois poder pressionar em acordos individuais. Uma das ideias seria contratar atores figurantes por um dia, escanear suas vozes e imagem, para futuramente inserir isso de forma computadorizada em filmes, séries ou o que for, sem precisar pagar um centavo a mais. “Duvido que isso seja aceito pelo nosso sindicato. Imagina, pagar $200 por uma diária e depois poder usar a sua imagem pra sempre? Não tem cabimento”, diz o ator brasileiro radicado em Los Angeles e membro do SAG-Aftra há 9 anos, Eduardo Muniz.

No caso dos roteiristas, os estúdios planejam encomendar roteiros às IAs e depois contratar uns poucos roteiristas, por um valor bem mais baixo do que se paga hoje, só para ajeitar as histórias criadas. O mercado seria ainda mais reduzido para os 11.500 membros do WGA.

Logo, artistas e criadores querem estabelecer limites claros para o uso de IAs em seus acordos coletivos. Como disse o ator Bryan Cranston (“Breaking Bad”), em um piquete em Nova York, respondendo a Bog Iger: “Vocês não vão tomar nossos empregos e dar a robôs! Não permitiremos que nos tirem nossa dignidade!”

Recorde de duração

A greve mais longa em Hollywood aconteceu em 1988, quando o WGA parou por 6 meses. Desta vez, os roteiristas já estão de braços cruzados há quase 3 meses. O brasileiro Beto Skubs, que faz parte do WGA e vai a piquetes todos os dias, acredita que a paralização não deve acabar tão cedo: “Depois que vimos como eles responderam às reivindicações do SAG, com quase todos os pontos negados, não parece que vai se chegar a um acordo logo”, diz o roteirista que participa da equipe da série americana “Grey’s Anatomy”.

Eduardo Muniz se diz mais otimista: “A quantidade de pessoas nos piquetes só vem aumentando e estamos angariando apoios de outras categorias. Vamos conseguir boa parte das nossas reinvindicações sim”, afirma o ator sindicalizado.

Nos bastidores, executivos mantêm o silêncio e dão como certo que os artistas não conseguirão resistir por muito mais tempo sem remuneração. A atriz brasileira Bia Borinn discorda: “A maioria já não consegue sobreviver só com salário de ator mesmo, têm outras fontes de renda. Então a gente consegue manter essa greve até que a coisa seja negociada de uma forma justa e respeitosa”, assegura. ν

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