Em tempos de redes sociais, os comentários à notícia acabam às vezes competindo em importância com a própria notícia. Com mais de 200 mil seguidores nas redes, o AcheiUSA tem bem a medida disso, com algumas notícias gerando milhares de comentários, debates e polêmicas todos os dias em nossas redes sociais. Isso é ótimo, as notícias estão mesmo aí para serem debatidas. O problema está no momento em que os comentários chegam a um número tão grande que se destacam da própria notícia, criando um meio em si, muitas vezes contraditórios com o próprio teor da notícia e cheios de informações inverídicas, que passam a fazer parte da informação original, usurpando sua pureza inicial.
Uma recente notícia publicada por nós, por exemplo, dava conta de brasileiros presos por tráfico humano em Massachusetts. É claro que a informação veio dos meios oficiais, autoridades policiais que realizaram a prisão, baseados na acusação de tráfico humano feita pelos investigadores. Portanto, não foi o jornal que caracterizou a razão para a detenção dos brasileiros, como aliás nunca o faz. As informações veiculadas em casos assim são sempre as contidas nos informes oficiais e nunca um juízo de valor do veículo. É assim, portanto, que as pessoas são sempre “suspeitas” ou “acusadas” disso ou daquilo mesmo que pareça óbvia para o leitor a participação delas ou sua autoria em algum crime ou delito. A Justiça determina que todos são inocentes até que seja provada a sua culpa em um tribunal e nós respeitamos isso.
A notícia em questão recebeu centenas de comentários, os mais surpreendentes acusando o jornal de ter errado na caracterização do crime cometido. Segundo esses comentaristas, o caso não é de tráfico humano, porque algumas vítimas supostamente participaram do esquema denunciado por livre e espontânea vontade. Sem entrar no mérito da questão ou a culpabilidade de quem quer que seja, que não é da nossa alçada, o jornal apenas reproduziu a caracterização oficial, e se há alguma contestação a essa caracterização, ela deve ser direcionada à Justiça, que assim definiu a acusação aos detidos.
Em outro caso, uma notícia sobre loterias nos Estados Unidos gerou polêmica por causa de alguns comentários que diziam ser necessária a residência permanente ou a cidadania para receber um prêmio lotérico na (remota) possibilidade de ser sorteado. Desta vez, a redação resolveu intervir nos comentários com a informação oficial de que o recebimento não está subordinado ao status imigratório do ganhador. Qualquer pessoa, independente da sua situação imigratória, pode receber o prêmio, diz a lei. O que muda é apenas a taxação.
Mas não adiantou. O erro já estava espalhado pelos comentários e contaminou fatalmente a notícia.
Esse fenômeno promove um dilema na administração das redes sociais dos grandes veículos. Devemos interferir nos comentários à notícia de forma a manter a sua integridade, ou jogá-la aos leões para que tome a forma que a maioria dos leitores desejam que ela tenha?
Quem souber a resposta, cartas para a redação.