Antonio Tozzi
Dilma Rousseff, certamente insuflada pelos marqueteiros de plantão, assumiu a posição de justiceira ao brandir contra a intromissão indevida de espiões em assuntos pertinentes a outros países. Traduzindo, espionagem de outros países é imperdoável. E ela fez questão de ter sua voz ouvida internacionalmente condenando as atitudes condenáveis do governo dos Estados Unidos que se arvorou em espionar autoridades e empresas brasileiras assim como de outros países.
A indignação acabou até mesmo abortando a ida da presidente do Brasil à Casa Branca onde seria recebida com deferências conferidas a poucos chefes de estado estrangeiros, como forma de caracterizar que “o Brasil não se dobra às nações mais poderosas do mundo”.
Os vazamentos subsequentes de Eric Snowden acabaram comprometendo os Estados Unidos perante aliados importantes como Alemanha e França e deixaram o governo do país numa situação bastante desconfortável. Agora, o dedo duro está vivendo na Rússia, como asilado político, e tenta sensibilizar as autoridades americanas a perdoá-lo, algo que parece pouco improvável, uma vez que tanto as autoridades executivas como as legislativas são unânimes em condenar seus atos, pois ele poderia (e deveria) usar outras tribunas para denunciar os excessos da espionagem americana, que são mesmo criticáveis.
E não é que o Brasil também tem seu Eric Snowden, embora anônimo. Alguém vazou para a Folha de S. Paulo denúncias de que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) monitorou diplomatas da Rússia, do Irã e do Iraque entre 2003 e 2004. Além disso, o órgão também teria monitorado um conjunto de salas alugadas pela Embaixada dos Estados Unidos em Brasília por suspeitar que elas eram usadas como estações de espionagem. E o Brasil teria espionado agentes do serviço secreto francês para investigar se havia algum envolvimento deles na explosão da base espacial de Alcântara, no Maranhão, ocorrida em 2003.
Diante das repercussões, Dilma e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defenderam-se, alegando que não se trata de espionagem e sim de contraespionagem. Ou seja, a nossa espionagem é legítima, a deles não. Quer dizer que se, por acaso, nesta contraespionagem os agentes brasileiros vierem a descobrir segredos importantes das outras nações, eles vão apagar estas informações? Você, de verdade, acredita nesta possibilidade? Caso acredite, ou você é um ingênuo, um néscio ou um governista empedernido.
Já no Financial Times, em um artigo intitulado Brazil: spying on allies and punishing leakers (“Brasil: espionando aliados e punindo vazadores de informação”) e publicado no blog Beyond Brics, o jornalista Robert Minto classificou as atividades de espionagem por parte do governo brasileiro como “constrangedoras”.
Na avaliação do jornalista, o problema maior está no fato de que o Brasil “vinha tomando as dores” para aparecer publicamente “chocado e violado” após as revelações de que a NSA (Agência Nacional de Espionagem dos EUA) espionou Dilma e a Petrobras.
Segundo ele, o governo brasileiro vem usando as revelações de que teria sido espionado para justificar a aprovação de leis para obter um maior controle da internet.
“As operações de espionagem brasileiras parecem ter sido inspiradas naquelas técnicas datadas da Guerra Fria, como seguir alguém e se esconder atrás de uma coluna assim que o alvo vira de costas. Não se trata, portanto, de uma espionagem de e-mails em massa. Mesmo assim, isso mostra que o Brasil não é servil quando o assunto é proteger seus interesses nacionais”, diz o FT.
E não é que isto faz sentido. O duro é se descobrirem a identidade do dedo duro brasileiro. Será que ele será considerado herói ou traidor. Os que consideraram Snowden um herói antes devem aplaudir o brasileiro, não é mesmo? Questão de coerência.