Além de toda a burocracia, os brasileiros ainda correm o risco de serem vítimas de contrabandistas
Joselina Reis
Depois de morar por 21 anos na Flórida, a manicure brasileira Iracema Gonçalves, de 75 anos, resolveu voltar para o Brasil. Ela despachou algumas caixas de objetos pessoais, mas quando a Receita Federal abriu o contêiner em seu nome o que havia lá dentro eram obras de artes caríssimas, totalizando cerca de $10 milhões. No final das contas, a manicure perdeu os objetos pessoais e ainda teve que explicar porque obras de Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Cildo Meireles, artistas brasileiros que estão entre os mais valorizados por museus, galerias e casas de leilão internacionais estavam fazendo nas caixas, que deveriam conter suas roupas e esmaltes.
Em entrevista ao Fantástico (Rede Globo), o inspetor-chefe da Receita Federal do Rio, Ricardo Lomba, fez um alerta aos brasileiros que enviam mudanças para o Brasil. “Há empresas que estão utilizando brasileiros para fazer esse tipo de internação de mercadoria sem o pagamento dos impostos”, disse.
Processo caro
Na opinião do advogado especialista em logística de comércio exterior, Osvaldo Agripino, que atua na na área há cerca de trinta anos, o processo de mudança é oneroso e bastante burocrático. “Não há risco zero em operação de transporte internacional”, disse. Antes de escolher a empresa transportadora é preciso fazer seu dever de casa, explica. A pessoa precisa saber se a empresa transportadora (ocean transport intermediary – OTI) está licenciada pela Federal Maritime Commission, obter referências de ex-clientes, bem como se a empresa é idônea e se há reclamações contra ela.
Pela lei, quem morou fora do Brasil durante mais de um ano pode enviar mudanças sem pagar impostos, desde que os bens sejam declarados à Receita e compatíveis com a renda do viajante. Para comprovar a renda é preciso apresentar declaração de imposto de renda no paíse de origem e demais documentos.
No entanto, o advogado explica que o processo é burocrático e a carga, depois de finalmente aportar em terras brasileiras, pode levar semanas ou meses para ser liberada se a pessoa não tiver uma assessoria adequada. Os custos com despachantes e advogados podem ficar entre 5% a 20% sobre o valor da mercadoria, mas depende de cada caso. Bem diferente, do que acontece com casos de compras empresariais, o valor fica em 1%, e o desembaraço da carga entre 10 e 15 dias.
Outro problema é o tratamento que o contêiner recebe em portos brasileiros. Pode haver custos extras de sobre estadias de contêineres e tarifas de armazenagem, que podem onerar muito a operação, chegando a R$3.890 pelo transporte até o armazém e outros R$ 3.511 pela estadia no período de 10 dias.
Dicas
Segundo Osvaldo Agripino, a dica é: se o brasileiro realmente for enviar a mudança para o Brasil é preciso estudar o risco, que é muito grande, e é fundamental planejar a operação para evitar abusos da aduana. “É comum a possibilidade de sonegação fiscal, de irregularidades com a apreensão da mercadorias, aplicação de autos de infração e pena de perdimento nos procedimentos aduaneiros, alegando fraudes na importação”, adianta.
“O processo deve ser efetuado por três profissionais, no caso das empresas que operam no comércio exterior: um despachante aduaneiro experiente no tipo de mercadoria transportada, um contador com experiência em tributação no comércio exterior e um advogado especialista em desembaraço aduaneiro e Direito Marítimo e Portuário. Contudo, em alguns casos, é bom consultar também um criminalista”, aconselha o advogado.
No caso da manicure brasileira, a Receita Federal está investigando a fraude milionária descoberta na última semana de junho. Além do contêiner com as obras de arte, ao invés das seis caixas de objetos pessoais de dona Iracema Gonçalves, os oficiais aprenderam um segundo contêiner da mesma transportadora (Overseas Moving) onde encontraram um trabalho do brasileiro Sergio Camargo, avaliado em quase R$ 2 milhões.
A empresa está registrada na Flórida em nome do brasileiro Diogo Maltarollo. O segundo contêiner chegou ao Brasil em nome do irmão dele, Rodrigo Maltarollo. Os dois são filhos da leiloeira carioca Angela Maltarollo.
Depois de apreendidas, as obras foram levadas para um dos museus mais importantes do país, o Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, mas ainda não podem ser vistas pelo público. Museólogos e historiadores atestaram a autenticidade das peças. Apesar de terem vindo em embalagens inadequadas, e de terem sido expostas a temperaturas elevadas nos contêineres, (cerca de 80º C), nenhuma delas sofreu danos.